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segunda-feira, 21 de agosto de 2023

AUSÊNCIA PRESENTE

A crônica de hoje é uma conversa. Conversa de saudades. Conversa de uma mãe que tem sentido muita falta de um de seus filhos. Daquele danado do Eros que virou estrelinha. É triste, mas é bonita. Bonita como era a beleza de Eros. Bonita como sempre foi nossa relação.



AUSÊNCIA PRESENTE
Bia Crispim - 21/08/2023

De repente, eu despertei sentindo seu pulo para o colchão da cama. Eu senti que era você. Acordei com sua presença.

Cansado de suas voltas noturnas, você retornava. Era hora de se aninhar em nossa cama (sempre a mesma hora): saltar na altura dos pés, miar para dizer que havia chegado, amassar seu pãozinho, vir se esfregar em mim como forma de dizer "Sou eu , mesmo! Já cheguei!" - rotina que todo gato gosta.

Você tinha suas idiossincrasias, suas manias, suas peculiaridades. 

Quando eu saía para o trabalho, a agilidade com que você subia o muro, passava pela abertura da tela feita por você e, antes que eu desse a segunda volta na chave, chegava ali, aos meus pés, rolando no chão, ficando encardido feito menino buchudo "impussive" era só sua.

Lá ia eu abrir a porta de novo e colocar você pra dentro, ouvindo miados de reclamação, claro. E quando voltava da labuta, lá estava você no muro do beco, miando, piscando seus olhos pra mim, jogando charme. Foi lá que eu te vi também, ontem à noite, quando saía de casa pra ir à padaria.

Eu achava muita graça quando estava chegando em casa e via você  trotando ao meu encontro, sim, trotando, você não corria, nem anadava como os outros gatos, você trotava e rebolava, sempre com seu rabo peludo para cima, imponente, sedutor. Afinal, você é Eros.

Vi você hoje pela manhã miando no telhado enquanto eu colocava ração nos pratinhos dos seus irmãos. Mas você não desceu para brigar pelo seu café da manhã. Acho que chorei... Sorri também... Lembrar de você me faz feliz.

Lembrar do quanto erámos conectados, lembrar de o quanto você me dava trabalho, chegando sujo em casa, carregando ratos, lagartixas e outros bichos vivos que trazia de presente só pra ver minha loucura e o frisson que isso causava nos seus irmãos. Traquino!!!

Capturar esses presentes de volta era um acontecimento. A casa toda entrava em polvorosa, afinal, além de você, há doze outras crianças felinas habitando esse lar de garras e pelos. E uma louca correndo atrás de quem conseguia pegar o presentinho.

Sei que isso não vai mais acontecer. Nenhum dos seus irmãos e irmãs sabem driblar o esquema de segurança da casa. Sei que ningém mais vai chegar descendo do telhado com presentes vivos, niguém mais vai me receber na calçada rolando no chão sujo para meu desepero, ninguém mais vai pular na cama miando para se anunciar, ninguém mais vai voltar pra casa todo arranhado por ter defendido seu território. Ninguém vai piscar pra mim, me comprando, me paquerando, como você.

Ninguém vai substituir sua presença, nem essa maldita ausência, nem essa maldita ausência. Ninguém! Afinal, você se humanizava e me felinizava. Você se fazia gente e me fazia bicho, bichano, bichana.

Ouwn, meu Eros, saiba que mamãe ama você desde sempre e para sempre. E não deixe de vir me visitar, nem que seja assim, pra me despertar no meio da noite com sua chegada. Nem que seja pra brotar no jardim de casa, feito flor.